O alto representante da União Africana para as parcerias com a Europa disse à Lusa que a Zona de Livre-Comércio (ZLEC) em África pode acelerar a industrialização do continente, que permite gerar até 10 milhões de empregos por ano.
A capacidade de deslocação da indústria, como por exemplo da indústria automóvel, que ocorreu no passado da Europa, nomeadamente para China, vai acontecer para África", mas para um consumo diferente, o "de manufaturas de baixo valor acrescentado e produtos agrícolas processados", afirmou em entrevista à Lusa, em Lisboa, o professor guineense e antigo dirigente das Nações Unidas, Carlos Lopes.Defendendo que o aumento demográfico vai gerar um crescimento do consumo e da urbanização, Carlos Lopes considerou que a população jovem de consumidores africanos "é um potencial enorme" da África, frisou.
Mas "com a ZLEC - Zona de Livre Comércio para África pode-se produzir além do país onde se está implementado", o que Carlos Lopes considerou ser também um fator "importante".
Porque, justificou, é possível "olhar-se para um mercado agora de 1,3 mil milhões de pessoas, mas que pode chegar a muito mais do que isso, prevendo-se que, em 2040, já sejam dois mil milhões".
Um fator que pode acelerar o processo de industrialização inevitável para responder ao aumento do consumo num continente em expansão demográfica.
E há "estimativas, de alguns especialistas nestas questões, de que a industrialização pode criar entre sete a 10 milhões de empregos por ano", afirmou.
Pegando no exemplo de Angola, Carlos Lopes diz que se aquele país passar a refinar o seu petróleo, pode criar uma indústria petroquímica e de fertilizantes.
"Angola hoje exporta o seu petróleo para a China, para os Estados Unidos [da América], mas se refinar o conjunto do petróleo que produz (...), não precisa de ir para além das fronteiras imediatas", porque os países vizinhos consumirão tudo, defendeu.
"Isto é uma transformação brutal, porque hoje África importa 70% dos produtos petrolíferos refinados. Portanto, um país como Angola tem todo o mercado ali à volta", comentou.
A ZLEC é um sucesso do ponto de vista do tempo que demorou para a sua efetiva constituição, resultante do Acordo de Livre-Comércio Continental Africano (AfCFTA na sigla em inglês), já assinado por 54 do total de 55 países.
A fase operacional do acordo AfCFTA foi lançada durante a cimeira de chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA), que decorreu durante o fim-de-semana passado em Niamey, no Níger, na qual alguns Estados também ratificaram o acordo, atingindo o total de 27.
"Isto foi um recorde histórico para uma Zona de Livre-Comércio com a dimensão que esta vai ter, que é a maior de todas, em número de países e de pessoas envolvidas", disse Carlos Lopes, que foi secretário geral adjunto das Nações Unidas, quando a organização estava sob a liderança de Kofi Annan.
"Temos aqui um colosso em formação, e se tomarmos em conta que as ratificações de tratados demoram dois a três anos, e que no espaço de menos de um ano nós já tínhamos o número de ratificações necessárias, isto foi um sucesso", comentou.
Para Carlos Lopes, que recebeu na quinta-feira, em Lisboa, o 'Prémio José Aparecido de Oliveira', "pelo elevado mérito e extenso contributo para a difusão dos valores da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e a visibilidade da Comunidade", esta rapidez do processo mostra "o apetite" existente pela criação da Zona de Livre-Comércio para a África.
"[Esse apetite] foi provocado pela forma como constituímos os preceitos desta zona tarifária. Costuma-se ir ao limite de querer 100% de definição nas linhas tarifárias e nós ficámo-nos pelos 90%", descreveu.
Quem negoceia tratados sabe que "10% é muita coisa, permite muita proteção, e, portanto, os países sentiram-se mais à vontade para assinar", disse o especialista, que também esteve envolvido na formação do modelo da ZLEC, que espera que esteja a funcionar dentro de três anos.
O Acordo de Livre-Comércio Continental Africano (AfCFTA) entrou em vigor em 30 de maio, depois de ter sido ratificado inicialmente por 24 países, e pretende estabelecer um enquadramento para a liberalização de serviços de mercadorias, tendo como objetivo eliminar as tarifas aduaneiras em 90% dos produtos, o que permitiria a criação do maior mercado do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 2,5 biliões de dólares (à volta de dois biliões de euros).
O AfCFTA entrou em vigor oficialmente a 07 de julho - durante a cimeira da União Africana em Niamey, no Níger - onde o total de países que o ratificaram chegou ao 27.
O acordo só não foi assinado ainda pela Eritreia, mas entre os países que o ratificaram contam-se alguns das maiores economias africanas.
Entre os países lusófonos, o acordo foi apenas ratificado por São Tomé e Príncipe.